Enquanto pesquisava as principais tendências que afectam a relação entre o homem e a máquina no futuro, deparei-me com este artigo muito interessante de Jesse I. Bailey, de julho de 2014, intitulado "Enframing the Flesh: Heidegger, Transhumanism, and the Body as "Standing Reserve". Há algumas afirmações realmente poderosas neste documento bastante longo, e eu capturei algumas delas abaixo (os destaques são meus). Não deixe de o ler na íntegra; vale bem a pena. Irei acrescentando mais citações à medida que as for digerindo:)
“No âmbito do transhumanismo, o corpo é enquadrado como um produto externo, tecnologicamente modificável. Indico alguns dos problemas que podem surgir quando os nossos próprios corpos deixam de ser centrais para a nossa identidade enquanto seres encarnados. Para além disso, defendo que, by tratar aspectos da nossa própria consciência como tecnologicamente modificável, seremos levados a uma relação mercantilizada e inautêntica para as nossas identidades. Defendo que, ao ameaçar obscurecer morte como uma possibilidade fundacional para o Dasein, o transhumanismo apresenta o perigo de esconder a necessidade de desenvolver uma relação livre e autêntica com a tecnologia, a Verdade e, em última análise, com o próprio Dasein.
Os transhumanistas fazem frequentemente uma de duas afirmações: Ou o corpo que habitamos atualmente será capaz de viver durante centenas de anos ou a nossa consciência será "descarregável" em múltiplos corpos. Qualquer uma destas posições (de forma subtil, mas importante, diferente) afasta a experiência humana dos aspectos centrais da finitude da encarnação, e os resultados propostos alterariam radicalmente a nossa existência.
Além disso, no futuro hipotético descrito pelos pensadores transhumanistas, podemos perder aquilo a que chamarei a "carnalidade da experiência". Quando começarmos a ver-nos como produtos tecnológicos do nosso próprio controlo e criação racional e calculista, corremos o risco muito real de sermos consumidores de identidade (a um nível ainda mais profundo do que já é o caso), e estamos a perder a orientação através da qual descobrimos a necessidade de lutar com a nossa natureza finita. Esta luta desempenha um papel importante no comportamento humano, e as tecnologias defendidas pelos transumanistas prometem alterar radicalmente a nossa relação tanto com a nossa incorporação como com a nossa mortalidade.
Os seres humanos tornam-se o que são ao lutarem com um mundo natural e físico que não responde imediatamente aos nossos desejos. O mundo resiste-nos e exige que fluamos com ele e lidemos honestamente com o orgânico. Quando enquadramos o orgânico, transformando-o numa tecnologia mais mecânica para ser facilmente manipulada, perdemos essa orientação. Quando os nossos próprios corpos forem enquadrados por uma tecnologia que desafia até a morte, o que acontecerá, por exemplo, ao desejo de transcendência que tem sido uma das forças historicamente mais poderosas que conduziram à criação da arte, da filosofia e que impulsiona a necessidade de estabelecer ligações interpessoais? O que é que acontece quando o desenvolvimento da identidade é enquadrado numa economia de mercantilização em que compramos alterações da nossa identidade?
Iremos interrogar-nos sobre a tecnologia. E, ao fazê-lo, gostaríamos de preparar uma relação livre com ela. A relação será livre se abrir a nossa existência humana à essência da tecnologia. Quando conseguirmos responder a esta essência, seremos capazes de experimentar a tecnologia dentro dos seus próprios limites. (Heidegger 1977, 287)"